terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Bíblia na vida

 Escrito por Alonso Gonçalves
Enfim, as teorias surgem e as ideias borbulham em cima do texto, dividindo estudiosos, dando origem a escolas hermenêuticas.

Não gostaria de discutir sobre inspiração ou inerrância. Quero ir por outro caminho e torcer para que você me compreenda. São esboços de algumas leituras que eu chamo aqui de hermenêutica da vida. Passo a descrever como alguns teólogos e teologias procuraram fazer uma leitura da Bíblia a partir da perspectiva da vida, procurando no texto aquela cola que grude gente-texto, passado-presente. Uma hermenêutica comprometida com o povo e para o povo. São experiências apenas.

Começo com Karl Barth. Quando assumiu o pastorado, em 1911, Barth teve uma experiência marcante: O conflito entre a academia e o trabalho pastoral. Percebeu que havia discrepâncias entre os estudos teológicos e a real necessidade do povo que precisava ouvir a Palavra de Deus. Barth entende que a revelação se dá em três vertentes: Cristo - como automanifestação de Deus (sem o texto) -, o texto - como registro desta revelação - e a pregação - que atualiza a revelação. A Bíblia em suas mãos se torna um instrumento no qual a igreja recorda a revelação de Deus, e a pregação como atualização da revelação. Seus sermões tinham objetivos muito claros, dar ao seu povo a condição de refrigério, serenidade, coragem, descanso e fé num Deus amoroso, sempre se apercebendo do contexto imediato. Suas reflexões passavam pela epístola de Romanos, procurando sempre uma abertura para os problemas do homem, pois dizia que numa mão estava a Bíblia e na outra o jornal.

Já Rudolf Bultmann deixa sua contribuição com a sua demitologização, embora muitos o repudiem. É uma maneira de ver Deus no texto bíblico, mas não ficar espantado com o vocabulário mitológico e pré-científico. Como alguém que bebe na filosofia existencialista, Bultmann compreende o texto como um encontro existencial texto-eu. O texto, fundamentalmente, é algo pessoal. A mensagem provoca, interpela e instiga a existência ao fazer uma decisão por Cristo. Com Bultmann, e sua hermenêutica da vida, a realização do ser só é possível através do encontro com a Palavra. A inquietude humana só poderá ser sarada com este encontro. Por mais que ignorem Bultmann, esta hermenêutica é frequentemente praticada em nossas igrejas.

Dentro da perspectiva latino-americana, a Bíblia é um poço de onde se tira água fresca e saudável. É uma fonte que não secou e que nunca irá secar. Ela continua sendo atual para as situações históricas da América Latina quando relata a opressão do pobre, o suborno nos julgamentos, a violação dos direitos humanos, a banalidade da vida. Neste contexto, a hermenêutica se dá em uma profunda dialética entre Palavra de Deus e contexto histórico, e o fator determinante dessa hermenêutica é Jesus Cristo e sua prática libertadora que desconcertava os fariseus e escribas. A Bíblia ganha concretude quando solidifica no meio do povo a solidariedade, o amor ao outro, o perdão, a partilha, a vida.

Em nossos cultos o texto tem peso. O momento do sermão é o ápice do culto. As orações realizadas no decorrer do culto são, inevitavelmente, dirigidas ao pregador, para que ele fale o que vem “de Deus”, e não dele mesmo. Parece que o pregador, ao subir ao púlpito e abrir a Bíblia, é tomado naquele momento pelo Espírito Santo e a partir disso ele fala “as palavras de Deus”. É em cima desse pressuposto que muitos subjugam igrejas usando seus sermões para legitimar certas posturas autoritárias. Não é isso que queremos.

Nesta relação culto-texto, os sermões devem ter na sua maioria a temática do pecado e a salvação do pecador, daí a expressão “culto evangelístico”. A conversão é o termômetro do fracasso ou sucesso do pregador com o seu sermão.

Mensagens autoritárias e esmagadoras não levam o povo a pensar em suas vidas e a ver o texto como fonte de espiritualidade a partir da identificação com situações bíblicas. Essa postura maniqueísta de usar o texto para proibir ou liberar não contribui em nada com a formação da vida cristã. O comportamento como evidência da salvação e a leitura bíblica como penitência não irá possibilitar uma hermenêutica para a vida. O texto continuará sendo um amuleto obsoleto de sorte e proteção residencial.
Não somente os cristãos querem respostas para os problemas da vida. As pessoas querem entender o que está acontecendo com este mundo que vê a violência como algo normal. Querem refletir sobre o sofrimento humano. Querem entender o que relação há entre Deus e suas vidas.

É urgente o resgate da Bíblia na vida das pessoas e a procura para mostrar que a vida delas também está na Bíblia. Para isto, basta querer fazer uma hermenêutica que a contemple.

PIB-Juína "Acasa do Povo de Deus"

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